terça-feira, 30 de junho de 2009

Nova tradução de Berlin Alexanderplatz

ESTADÃO DE HOJE/CADERNO 2
Domingo, 14 de Junho de 2009

Berlin Alexanderplatz volta renovado

O mais incômodo épico da literatura alemã do século 20, Berlin Alexanderplatz, obra-prima do médico e escritor Alfred Döblin (1878-1957), ganha, aos 80 anos, uma nova tradução, a cargo da professora de Literatura Irene Aron, que a Editora Martins/Martins Fontes coloca nas livrarias no começo de julho. O livro, já traduzido anteriormente por Lya Luft, volta às livrarias num momento de crise, o de uma recessão cada vez mais desestabilizadora, que ameaça empurrar para o precipício países fragilizados, exatamente como aconteceu no passado com a Alemanha, tomada de assalto pelos nazistas. Em mais de uma ocasião - e com justa razão -, a atual crise financeira do mundo foi comparada ao inferno de Wall Street em 1929, ano do grande crash da Bolsa - e também da chegada de Berlin Alexanderplatz ao mercado, após sua publicação em folhetim ter sido recusada por dois dos principais jornais liberais de Berlim.

Leia trecho do livro

Se a crise atual ainda não atingiu as proporções gulliverianas da República de Weimar, onde a inflação corroeu salários e também a alma dos alemães, é certo que ela já oprime milhares de desempregados, que experimentam hoje o que sentiu no passado o operário e carregador de mobílias Franz Biberkopf, protagonista de Berlin Alexanderplatz. Biberkopf, ao sair da prisão de Tegel, após cumprir pena de quatro anos por matar a companheira num acesso de raiva, tem como primeiro impulso voltar para sua cela, ao se defrontar logo na saída com uma Berlim irreconhecível, afundada na corrupção, no fanatismo político e na recessão. Nessa Babilônia moderna, qualquer ser resgatado pelo colete salva-vidas de ideologias totalitárias teria o rosto de um Franz Biberkopf, parece martelar na consciência o épico de Döblin, escrito quando Hitler já mostrava suas garras.

Döblin, claro, não teria feito Biberkopf passar pela provação de vender nas ruas o principal órgão de propaganda nazista (o jornal Völkischer Beobacher) se não quisesse discutir a diabólica sedução do totalitarismo quando se está só e desamparado. Entre os inúmeros bicos que o protagonista arranja para viver uma vida decente - de camelô a vendedor ambulante de cadarços -, nenhum lhe oferece sequer a chance de sobrevivência. Com o bolso arruinado, ele se entrega à bebida, retoma contato com amigos marginais, perde um braço durante um roubo e vira gigolô. O resto da história é uma descida aos infernos que só poderia mesmo ter sido transposta para o cinema pelo cineasta Rainer Werner Fassbinder em sua memorável série de 15 horas. Feita em 1980 para a televisão alemã, ela está disponível numa caixa com 6 DVDs, lançada recentemente pela Versátil (veja texto nesta página).

O filme, que tem o mesmo título do livro, é uma adaptação fiel do romance, mesmo em seus momentos mais alucinados, entre eles o surrealista epílogo em que Biberkopf, morto e guiado por dois anjos, reencontra no (sub)mundo dos espíritos os infelizes com quem topou em vida. No livro, esse delírio começa no momento em que Biberkopf entra na segunda instituição a mantê-lo preso, o manicômio de Buch - no qual morre e depois é "ressuscitado" por Döblin, que, na vida real, passou por lá como médico. No capítulo final, o autor dá uma segunda chance a seu protagonista, rebatizando-o de Franz Karl Biberkopf para distingui-lo do primeiro Biberkopf, oferecendo a ele um emprego de auxiliar de porteiro numa fábrica de porte médio, após sua saída do hospício. Para lá o catatônico Biberkopf é encaminhado depois que sua companheira Mieze é assassinada pelo perverso amigo Reinhold, outro parceiro amoroso do protagonista, responsável pelo acidente que o tornou maneta.

Dito assim, corre-se o risco de confundir Berlin Alexanderplatz com um romance que cruza o realismo de Balzac com a crônica mundana. De fato, a origem desse épico pode ter sido uma simples notícia policial perdida nos jornais populares citados no livro, ao lado de textos publicitários, canções e versos bíblicos, fielmente transcritos nessa "montagem" - como Walter Benjamin definiu o livro. Nela, o personagem principal não é Franz Biberkopf, mas a cidade que o destrói - e, mais exatamente, Alexanderplatz, praça central e local de confluência de todos os deserdados alemães na época do advento do nazismo. Döblin, assim, opta por dar voz a seus personagens, abdicando do papel de narrador. Trata-se de um exercício polifônico que não dispensa o recurso joyciano do monólogo interior - embora Döblin sempre tenha afirmado que conhecia mal a literatura de James Joyce quando começou a escrever Berlin Alexanderplatz. Pode ser. O fato é que seu livro, escrito no auge do expressionismo alemão, cruza referências eruditas e linguagem coloquial para narrar a história de um homem em busca da sobrevivência, amalgamando sua tragédia com a de um país que perde o pudor para pagar suas dívidas de guerra, resgatar a autoconfiança e fugir do colapso econômico.

A tradutora Irene Aron, nascida de pais alemães emigrados durante a 2ª Guerra, lembra de algumas expressões populares presentes no livro, ainda usadas em família durante sua infância. Isso facilitou o complexo trabalho de tradução, que obriga os profissionais a uma pesquisa exaustiva sobre a cultura de Weimar. O mais difícil, porém, foi encarar a natureza polifônica de Berlin Alexanderplatz. "Por vezes fica-se sem saber se é o narrador ou o próprio autor que está falando", diz a professora, que enfrentou anteriormente o desafio de traduzir Passagens, a obra-prima póstuma de Walter Benjamin.

Benjamin, aliás, escreveu sobre a retomada do relato épico em Berlin Alexanderplatz (em A Crise do Romance, de 1930), afirmando que o princípio estilístico do livro é a montagem, que, longe de ser arbitrária, baseia-se no documento - daí a exata reprodução das letras das canções populares da época, as estatísticas e os versículos bíblicos que conferem autenticidade à ação épica da narrativa de Döblin, segundo o estudioso. E não só autenticidade. Por respeito à tradição épica, o confronto de Franz Biberkopf é com a polis e a morte. Primeiro, ele enfrenta as barreiras da metrópole para depois chegar à fronteira da vida, submetido aos fragmentos do Livro de Eclesiastes usados por Döblin em sua obra. Biberkopf, paradoxalmente, é salvo pela morte ao aceitar, no fim de sua trajetória, que ele, somente ele, é o culpado por todos os males que o atingiram. O homem comum de Döblin desejou ser maior que o destino e foi punido por isso. Se acontece nas melhores tragédias gregas, por que não em épicos modernos?

O filme
A superposição da vida de Franz Biberkopf com a da metrópole que se transforma à custa de miseráveis é o aspecto mais visível da versão para o cinema da narrativa de Döblin. A todo momento Fassbinder usa o cenário não como recurso puramente formal, mas para enfatizar os mecanismos de poder nessa metrópole disputada como centro político de um país à deriva. Assim, às mansões luxuosas, decoradas com móveis bauhausianos, contrapõe-se a miséria das espeluncas habitadas por Biberkopf e os oprimidos da nova (des)ordem moral da República de Weimar, onde almas podem ser compradas a preços irrisórios. Fassbinder percebeu o que talvez nem Döblin tenha notado - e que Benjamin percebeu antes de todos: o destino de Biberkopf é a educação sentimental dos marginais, o que dá à narrativa cinematográfica um aspecto do velho romance de formação burguês. Fassbinder carrega nas tintas do Bildungsroman sem trair a modernidade de Döblin, fazendo com que sua figura se confunda com a da metrópole desde a cena em que o condenado sai da prisão. É essa sequência labiríntica que sintetiza o épico alemão

*imagens inseridas por Geni em texto extraído, sem modificações, do Estado de São Paulo

domingo, 28 de junho de 2009

Mensagens numa garrafa (II)

A liberdade como eles a entendem

As pessoas manipularam a tal ponto o conceito de liberdade, que ele acabou por se reduzir ao direito dos mais fortes e mais ricos de tirarem dos mais fracos e mais pobres o que estes ainda têm. As tentativas de modificar isso são encaradas como intromissões lamentáveis no campo do próprio individualismo, que, pela lógica dessa liberdade, dissolveu-se num vazio administrado. Mas o espírito objetivo da linguagem não se deixa enganar. O alemão e o inglês reservam a palavra “livre” (na acepção de “grátis”, N. da T.) para os bens e serviços que não custam nada. À parte a crítica da economia política, isso testemunha a falta de liberdade que a relação de troca, ela mesma, pressupõe; não há liberdade enquanto tudo tem um preço e, na sociedade reificada, as coisas isentas do mecanismo de preço só existem como rudimentos lastimáveis. Ante uma inspeção mais rigorosa, costuma-se constatar que também elas têm seu preço e constituem migalhas dadas juntamente com as mercadorias, ou, pelo menos, com a dominação: os parques tornam as prisões mais suportáveis para quem não está dentro delas. Entretanto, para as pessoas de temperamento livre, espontâneo, sereno e imperturbável, que da falta de liberdade extraem a liberdade como um privilégio, a linguagem reserva, prontinho, um nome apropriado: desaforo.

Theodor W. Adorno - "Mensagens numa garrafa" (Trad. Vera Ribeiro), FSP, 28/05/1996.

sábado, 27 de junho de 2009

Mensagens numa garrafa (I)

Pessoa chave

O tipo presunçoso que só se considera alguma coisa ao ser confirmado pelo papel que desempenha em coletivos que não o são, e que existem meramente em nome da coletividade; o representante com uma braçadeira; o orador arrebatado, que tempera seu discurso com espirituosidade salutar e antecede sua observação final com um espirituoso “Oxalá assim fosse”; o abutre caridoso e o catedrático que correm de um congresso a outro – todos eles, um dia, provocaram o riso próprio dos ingênuos, dos provincianos e dos pequeno-burgueses. Agora, a semelhança com a sátira oitocentista foi descartada; o princípio difundiu-se, de forma obstinada, das caricaturas para a totalidade da classe burguesa. Não apenas seus membros foram submetidos a um persistente controle social, pela competição e pela cooptação em sua vida profissional, como também sua vida particular foi absorvida pelas formações reificadas em que se cristalizaram as relações interpessoais. As razões, para começar, são cruamente materiais: somente proclamando o consentimento através de serviços louváveis prestados à comunidade como tal, pela aceitação num grupo reconhecido, nem que seja uma simples loja maçônica degenerada em clube de boliche, é que se consegue a confiança, compensada pela conquista de fregueses e clientes e pela concessão de sinecuras. O cidadão substancial não se qualifica meramente pelo crédito bancário, nem tampouco pelos deveres para com suas organizações; ele deve dar seu sangue, e também o tempo livre que lhe sobra da roubalheira, ao posto de presidente ou tesoureiro de comissões para as quais tanto é arrastado quanto sucumbe. Não lhe resta nenhuma esperança, a não ser a homenagem obrigatória na circular do clube quando o ataque cardíaco o alcança. Não ser membro de coisa alguma é despertar suspeitas: quando se pleiteia a naturalização, é-se expressamente solicitado a arrolar os grupos a que se pertence. Isso, porém, racionalizado como sendo a disposição do indivíduo de abandonar seu egoísmo e de se dedicar a um todo – que, a rigor, nada mais é do que a objetivização universal do egoísmo –, reflete-se no comportamento das pessoas. Impotente numa sociedade esmagadora, o indivíduo só vivencia a si mesmo enquanto socialmente mediado. Assim, as instituições criadas pelas pessoas são ainda mais fetichizadas: desde o momento em que os sujeitos passaram a se conhecer somente como intérpretes das instituições, estas adquiriram o aspecto de algo divinamente ordenado. O sujeito sente-se até a medula – certa vez, ouvi um patife usar publicamente essa expressão sem despertar risos – mulher de médico, membro de um corpo docente ou presidente da comissão de especialistas religiosos, do mesmo modo que, em outras épocas, alguém podia sentir-se parte de uma família ou de uma tribo. Ele volta a se tornar, na consciência, aquilo que era em seu ser, de qualquer maneira. Comparada com a ilusão da personalidade autônoma, que teria uma existência independente na sociedade da mercadoria, essa consciência é a verdade. O sujeito realmente não é nada além de mulher de médico, membro do corpo docente ou especialista em religião. Mas a verdade negativa transforma-se numa mentira como positividade. Quanto menos sentido funcional tem a divisão social do trabalho, mais obstinadamente os sujeitos se agarram àquilo que a fatalidade social lhes infligiu. A alienação transforma-se em intimidade, a desumanização, em humanidade, e a extinção do sujeito, em sua confirmação. A socialização dos seres humanos, hoje em dia, perpetua sua associalidade, ao mesmo tempo que não permite ao desajustado social nem sequer orgulhar-se de ser humano.

Theodor W. Adorno - "Mensagens numa garrafa" (Trad. Vera Ribeiro), FSP, 28/05/1996.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Sobre a Violência

Hannah Arendt

Hannah Arendt - Reflections on Violence (NYRB, 1969).

Hannah Arendt - Da violência [pdf, 4shared]

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Georges Sorel - Réflexions sur la violence (1908)

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Artigos de Loïc Wacquant

Artigos de Loïc Wacquant

O lugar da prisão na nova administração da pobreza (Novos Estudos, 2008).

From Slavery to Mass Incarceration (New Left Review, 2002).

Vários textos (em várias línguas) no site da Universidade da Califórnia, Berkeley.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Dez canções de Hanns Eisler


Da direita p/ a esquerda: Hanns Eisler, Bertolt Brecht e Slatan Dudow

Abaixo, link para dez canções de Hanns Eisler, compostas de 1918 a 1928. Foram extraídas do álbum "Ernst Busch singt Hanns Eisler" de 1966. Formato mp3.

Weihnachten
Das lied vom kompromiss
Einkäufe
An dem deutschen mond
Sommerlied
Rückkehr zur natur
Deutsches lied
Der Graben
Sozialdemokraticher parteitag
Das alte vertiko

domingo, 21 de junho de 2009

Teoria do Filme



Livro de Béla Balázs - Theory of the Film (1952) [Internet Archive].

Radical de esquerda e libretista de Bartók, Béla Balázs, o "Don Juan de Budapeste", foi amigo íntimo do jovem Lukács e causador do suicídio de Irma Seidler, amante (platônica) de Lukács. Participou da adaptação do roteiro de Die Dreigroschenoper [A ópera dos três vinténs] (1931), dirigido por G. W. Pabst - filme que levaria Brecht a processar a companhia cinematográfica. Em 1932, Balázs co-dirigiu Das blaue Licht [A luz azul] com Leni Riefenstahl, que, pouco depois, dirigiria filmes de propaganda nazista.

sábado, 20 de junho de 2009

Daumier

Obras de Honoré Daumier


Désolé... ma brave femme... je ne puis rien vous faire... je suis de la société des Philantropes du Nord... je ne donne qu'aux pauvres du Kamchatka!...
(Les philantropes du jour)



Ouvrier et Bourgeois




Le soulèvement




La révolte

quinta-feira, 18 de junho de 2009

quarta-feira, 17 de junho de 2009

A foice e o martelo

Dois excertos de Slavoj Žižek sobre Nazismo e Stalinismo [em tradução livre]:

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John Berger fez recentemente uma observação significativa a propósito de um cartaz publicitário francês de uma companhia de investimentos pela internet chamada Selftrade: sob a imagem de uma foice e um martelo em ouro maciço e cravejados de diamantes, o texto diz: “E se todos lucrassem com o mercado de ações?” A estratégia do cartaz é óbvia: hoje, o mercado de ações atende aos critérios igualitários do Comunismo; todos podem participar dele. Berger se permite um experimento mental simples: “Imagine uma campanha publicitária, hoje, usando a imagem de uma suástica de ouro maciço e cravejada de diamantes! É claro que não daria certo. Por quê? A suástica dirigia-se aos vitoriosos, e não aos derrotados. Ela invocava a dominação e não a justiça.” Em contraste, a foice e o martelo invocavam a esperança de que “a história um dia estaria do lado daqueles que lutam pela justiça fraterna”. A ironia, portanto, é que no momento mesmo em que essa esperança é dada como morta pela ideologia hegemônica do “fim das ideologias”, uma empresa “pós-industrial” paradigmática (existe algo mais “pós-industrial” do que negociar ações na internet?) é obrigada a mobilizar essa esperança dormente para transmitir sua mensagem.
(Slavoj Žižek, "Repeating Lenin")

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Uma notinha – não é matéria para manchetes, obviamente – apareceu nos jornais em 3 de fevereiro [de 2005]. Respondendo a uma proposta de proibir a exibição pública da suástica e outros símbolos nazistas, um grupo de membros conservadores do Parlamento Europeu, na maioria de países ex-comunistas, exigiu que o mesmo se aplicasse aos símbolos comunistas: não só a foice e o martelo, mas até a estrela vermelha. Essa proposta não deve ser apenas desprezada: ela sugere uma mudança profunda na identidade ideológica da Europa.
Até agora, para dizer de maneira direta, o stalinismo não tinha sido rejeitado do mesmo modo que o nazismo. Estamos inteiramente conscientes de seus aspectos monstruosos, mas ainda consideramos a Ostalgie aceitável: pode-se fazer Adeus, Lênin!, mas Adeus, Hitler! é impensável. Por quê? Para tomar outro exemplo: na Alemanha, muitos CDs com antigas canções revolucionárias alemãs-orientais e canções do Partido, de ‘Stalin, Freund, Genosse’ [‘Stalin, amigo, camarada’] a ‘Die Partei hat immer Recht’ [‘O Partido está sempre certo’], são facilmente encontráveis. Mas seria preciso muito mais esforço para encontrar uma coleção de canções nazistas. Mesmo nesse nível anedótico, a diferença entre os universos nazista e stalinista é clara, assim como o é quando lembramos que, nos julgamentos públicos stalinistas, o acusado tinha de confessar publicamente seus crimes e dar um depoimento sobre como veio a cometê-los, enquanto os nazistas nunca exigiram que um judeu confessasse que estava envolvido num plano judeu contra a nação alemã. A razão é clara. O stalinismo concebia-se a si mesmo como parte da tradição do Esclarecimento, segundo a qual, se a verdade é acessível a qualquer homem racional, mesmo que depravado, todos devem ser considerados responsáveis por seus crimes. Mas para os nazistas a culpa dos judeus era um fato de sua constituição biológica: não havia necessidade de provar que eram culpados, pois eles o eram em função de serem judeus.
No imaginário ideológico stalinista, a razão universal é objetivada sob a feição de leis inexoráveis do progresso histórico, e nós somos todos seus servidores, inclusive o líder. Um líder nazista, depois de fazer um discurso, levantava-se e recebia silenciosamente o aplauso, mas, sob o stalinismo, quando o aplauso obrigatório explodia no fim do discurso do líder, ele se levantava e participava dele. Em To Be or Not to Be [Ser ou não ser, 1942], de Ernst Lubitsch, Hitler responde à saudação nazista erguendo o braço e dizendo “Heil eu!” Isso é puro humor porque nunca poderia ter ocorrido na realidade, ao passo que Stalin efetivamente “saudava a si mesmo” quando se juntava aos outros no aplauso. Considere-se o fato de que, no aniversário de Stalin, prisioneiros enviavam-lhe telegramas congratulatórios dos mais escuros gulags: não é possível imaginar um judeu em Auschwitz enviando um telegrama assim para Hitler. É uma distinção de mau gosto, mas sustenta a idéia de que, sob Stalin, a ideologia dominante pressupunha um espaço em que o líder e seus súditos pudessem juntar-se como servidores da Razão Histórica. Sob Stalin, todos eram, teoricamente, iguais.
Não encontramos no nazismo nenhum equivalente dos comunistas dissidentes que arriscaram suas vidas lutando contra o que eles percebiam como a “deformação burocrática” do socialismo na URSS e seu império: não houve ninguém na Alemanha nazista que advogasse um “nazismo com face humana”. Aqui reside a falha (e o preconceito) de todas as tentativas, tais como a do historiador conservador Ernst Nolte, de adotar uma posição neutra – isto é, de perguntar por que não aplicamos aos comunistas os mesmos padrões aplicados aos nazistas. Se Heidegger não pode ser perdoado por seu flerte com o nazismo, por que Lukács e Brecht e outros podem ser perdoados por seu ainda mais longo engajamento com o stalinismo? Essa posição reduz o nazismo a uma reação e a uma repetição de práticas já encontradas no bolshevismo – terror, campos de concentração, a luta de morte contra inimigos políticos – de tal modo que o “pecado original” fica sendo o do comunismo.
No final dos anos 1980, Nolte foi o principal oponente de Habermas no chamado Revisionismusstreit [Controvérsia sobre o revisionismo], argumentando que o nazismo não poderia ser visto como o mal incomparável do século XX. Não só o nazismo, repreensível como foi, apareceu depois do comunismo: ele foi uma reação excessiva à ameaça comunista, e todos os seus horrores foram meramente cópias daqueles perpetrados sob o comunismo soviético. A idéia de Nolte é que comunismo e nazismo partilham da mesma forma totalitária, e a diferença entre eles consiste apenas na diferença entre agentes empíricos que cumprem seus respectivos papéis estruturais (“judeus” em lugar de “inimigo de classe”). A reação liberal mais comum à posição de Nolte é que ele relativiza o nazismo, reduzindo-o a um eco secundário do mal comunista. Contudo, mesmo deixando de lado a comparação infrutífera entre comunismo – uma tentativa distorcida de liberação – e o mal radical do nazismo, deveríamos ainda assim aceitar a idéia central de Nolte. O nazismo foi efetivamente uma reação à ameaça comunista; ele efetivamente substituiu a luta de classes pela luta entre arianos e judeus. Estamos lidando, aqui, com o deslocamento no sentido freudiano do termo (Verschiebung): o nazismo desloca a luta de classes substituindo-a pela luta racial e, ao fazê-lo, obscurece sua verdadeira natureza. O que muda na passagem do comunismo para o nazismo é uma questão de forma, e é nisso que a mistificação ideológica nazista consiste: a luta política é naturalizada como conflito racial, o antagonismo de classes inerente à estrutura social é reduzido à invasão de um corpo estranho (judeu) que perturba a harmonia da comunidade ariana. Não é, como Nolte alega, que haja em ambos os casos a mesma estrutura antagonística, mas que o lugar do inimigo é preenchido por um elemento diferente (classe, raça). O antagonismo de classes, diferentemente do conflito racial, é absolutamente inerente e constitutivo do campo social; o fascismo desloca esse antagonismo essencial.
[...]
É aqui que se deve fazer uma escolha. A atitude liberal “pura” em relação ao “totalitarismo” de esquerda ou de direita – de que ambos são ruins, baseados na intolerância quanto a diferenças políticas e outras, a rejeição dos valores democráticos e humanistas etc. – é a priori falsa. É necessário tomar partido e proclamar que o fascismo é fundamentalmente “pior” que o comunismo. A alternativa, a noção de que é mesmo possível comparar racionalmente os dois totalitarismos, tende a produzir a conclusão – explícita ou implícita – de que o fascismo foi dos males o menor, uma reação compreensível à ameaça comunista. Quando, em setembro de 2003, Silvio Berlusconi provocou protestos violentos com sua observação de que Mussolini, diferentemente de Hitler, Stalin ou Saddam Hussein, nunca matou ninguém, o verdadeiro escândalo foi que, longe de ser uma expressão da idiossincrasia de Berlusconi, sua declaração era parte de um projeto em andamento de mudar os termos de uma identidade da Europa do pós-guerra, baseada na unidade anti-fascista. Esse é o contexto apropriado dentro do qual se pode entender a proposta dos conservadores europeus de proibir os símbolos comunistas.
(Slavoj Žižek, "The Two Totalitarianisms")

terça-feira, 16 de junho de 2009

La Hora de los Hornos


Link (torrent) para o filme La Hora de los Hornos: Notas y testimonios sobre el neocolonialismo, la violencia y la liberación (1968), de Fernando Solanas e Octavio Getino. Dividido em três partes: 1. Neocolonialismo y violencia; 2. Acto para la liberación; 3. Violencia y liberación.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Entrevista de Beatriz Sarlo

07/06/2009 - 03h04

Leia íntegra da entrevista com a socióloga Beatriz Sarlo

ADRIANA MARCOLINI
Colaboração para a Folha de S.Paulo, em Buenos Aires

O último livro da intelectual argentina Beatriz Sarlo, "La Ciudad Vista" [A Cidada Vista, Siglo Veintiuno Editores, 232 págs., 39 pesos argentinos, R$ 20; sem previsão de lançamento no Brasil], é um ensaio perspicaz sobre as mudanças ocorridas em Buenos Aires nos últimos anos e revela como a cidade foi se transformando com as sucessivas crises que assolaram o país vizinho.

Ao longo de quatro anos, Sarlo se dedicou ao ofício de escritora e jornalista, percorrendo sua cidade natal para a coluna semanal que mantinha no "Clarín".

Carregava consigo apenas uma máquina fotográfica digital e mantinha seu olhar mais do que atento.

uas andanças lhe revelaram uma nova Buenos Aires, uma cidade que mantém seus bairros de classe média arborizados, praças bem conservadas e atrações turísticas, mas onde também existem favelas, se respira pobreza e a negligência com o ambiente salta aos olhos.

As descobertas lhe renderam este livro.

Leia, a seguir, a entrevista que a ex-professora de literatura na Universidade de Buenos Aires e uma das mais prestigiadas estudiosas da obra de Jorge Luis Borges ["Jorge Luis Borges - Um Escritor Na Periferia", ed. Iluminuras, R$ 38] concedeu à Folha, na capital argentina.

Folha - Na introdução de seu livro "A Cidade Vista", a senhora conta que, para escrevê-lo, percorreu Buenos Aires durante quatro anos, tentando ver e escutar, sem usar o gravador. Por que escolheu este método?

Beatriz Sarlo - "A Cidade Vista" surgiu da necessidade de um trabalho jornalístico para a revista "Viva", que sai aos domingos no "Clarín".

Era um trabalho que tinha a ver com os temas que me preocupam, que sempre foram a literatura e a forma como a literatura se misturou com a cultura urbana (a literatura não só a representa, mas também se mesclou a ela), e a cultura urbana, tal como se manifesta no mundo contemporâneo.

Minhas ideias prévias estão muito presentes no livro: a primeira era a de que havia mudado a forma de circulação das mercadorias na cidade de Buenos Aires. Um dos elementos responsáveis foi o shopping center.

Aqui essa mudança começou a partir do início da década de 1990.

Já no Brasil teve início mais cedo, conheci shopping centers em São Paulo anteriores àqueles anos. Os shoppings haviam se tornado uma forma generalizada de circulação das mercadorias, que na outra ponta tinha os vendedores ambulantes.

Uma forma de circulação típica do Terceiro Mundo, que se encontra em toda a América Latina, mas que também existe na África --ou seja, típica das culturas dos pobres.

Essa é uma ideia forte que está desenvolvida no livro.

A segunda era a de que Buenos Aires havia se convertido em uma cidade permeada por uma enorme separação.

Tradicionalmente, sempre fora dividida entre o sul e o norte, em que o norte sempre era mais próspero e o sul, mais pobre --embora sem um abismo entre esses dois pontos cardeais.

Porém o norte se deslocou mais para o norte. Antes, a divisão de Buenos Aires passava quase pelo centro da cidade, que era a rua Rivadavia, que corta a cidade de leste a oeste.

Agora, essa divisão passa pela avenida Santa Fé, deixando dois terços da cidade na zona da pobreza, com exceção dos encraves turísticos, como San Telmo e La Boca.

O que me faltava, então, era ir a campo. Não quis levar o gravador porque em alguns lugares é mais um estorvo que um auxílio à investigação, pois há risco de idolatrar a palavra da pessoa entrevistada.

Os pobres não falam como os intelectuais, sentados diante de um jornalista que faz um artigo para um jornal. Eles falam de um modo diferente, e, portanto, às vezes as descrições etnográficas que citam textualmente os pobres são extremamente repetitivas.

Folha - Mas a máquina fotográfica não intimidava as pessoas?

Sarlo - Com exceção de alguns casos, eu não pedia permissão para fotografar, porque o fazia de muito longe, ou fotografava objetos, ou casas que não podem ser reconhecidas.

Parecia-me que andar pelas ruas que rodeiam as favelas com um caderno de anotações e uma caneta na mão era muito mais exótico do que ter uma câmera digital --só um intelectual carrega consigo um caderno de notas com uma caneta.

A câmera me distanciava menos que um caderno.

Folha - Considerando que ao escrever um livro sobre uma cidade tão grande como Buenos Aires é fácil cair na armadilha da superficialidade, gostaria de saber se a senhora se manteve atenta aos detalhes durante suas observações.

Sarlo - Minha formação original é a de crítica literária --essa é a minha formação acadêmica e continuo fazendo crítica literária. Assim sendo, existe um tipo de olhar com o foco próximo, que nós, críticos literários, aprendemos basicamente com [o semiólogo francês] Roland Barthes e [o teórico alemão] Walter Benjamin.

No meu caso, de maneira muito forte com Barthes, nas "Mitologias". Tenho como "olhar natural", digo entre aspas, e também como um tipo de olhar que busco.

"Olhar natural" porque faz parte de um treinamento, e, em uma mulher de certa idade como eu, esse treinamento já faz parte de seus automatismos, e buscado porque preciso me manter sempre a uma distância muito próxima do objeto, seja ele um texto, ou uma estrutura urbana, ou uma arquitetura.

Não sei se isso evita ou conduz à superficialidade, as outras pessoas é que devem dizê-lo. Não posso julgar meu livro neste ponto.

O que sei é que busquei um olhar extremamente detalhista e por isso também há um uso muito forte da literatura, sobretudo da literatura contemporânea, aquela que também enxerga as configurações urbanas de forma mais próxima, que tem um olhar detalhista.

Folha - De fato, a senhora cita vários trechos de Roberto Arlt e Sergio Chejfec no livro. As crônicas de Arlt sobre Buenos Aires são bastante conhecidas, mas talvez as de Chejfec nem tanto, pelo menos no Brasil. Qual seria a principal diferença entre os dois?

Sarlo - Chejfec é um escritor relativamente jovem, tem por volta de 50 anos; já Arlt, o típico escritor e jornalista, morreu em 1942. Enquanto Arlt era autodidata, Chejfec tem formação universitária, uma característica comum dos escritores argentinos atuais, que têm por volta de 50 anos.

É um autor vanguardista, de grande radicalismo. Acho que não está traduzido no Brasil [de Chejfec foi publicado, no Brasil, o romance "Boca de Lobo", ed. Amauta, R$ 29; de Arlt, foi publicado "Os Sete Loucos e os Lança-Chamas", ed. Iluminuras, R$ 71].

Folha - Ao ler suas descrições sobre as transformações de Buenos Aires, tem-se a impressão de se ler sobre a cidade de São Paulo. A proliferação de shopping centers, a perda dos espaços públicos, a disseminação do medo são um fato tanto aqui como lá. A senhora acredita que essa possa ser uma tendência das metrópoles sul-americanas?

Sarlo - Pode ser, mas, de todo modo, acredito que as duas cidades sejam incomparáveis. Buenos Aires não é uma megalópole, São Paulo sim.

Buenos Aires está circundada por 9 milhões de habitantes, mas a cidade em si tem 3 milhões, e os limites dentro dos quais essa população vive são bastante precisos.

O impacto que produz São Paulo para um portenho é realmente o de uma megalópole do futuro, tanto no seu caráter anômalo como em sua enorme vitalidade, na beleza do moderno e do hipermoderno que tem. Que pode ser um pesadelo no futuro, com uma enorme vitalidade.

Qualquer pessoa de Buenos Aires que vá pela primeira vez a São Paulo tem a sensação de que pulsa o coração de um futuro. Foi isso o que senti quando estive lá pela primeira vez, 20 anos atrás.

Buenos Aires não projeta essa imagem. Nada disso. Ela está rodeada do que, possivelmente, será o futuro de todas as cidades dos países não europeus --cinturões de pobreza, favelas, marcas do desemprego, da podridão, do desastre ecológico.

Mas a cidade em si, que tem limites muito precisos, não tem essas marcas e tampouco essa pulsação do futuro.

São Paulo, sem dúvida, tem problemas infinitamente maiores do que Buenos Aires, começando pela segurança. Há uma exaltação em torno dessa questão aqui, pois no perímetro da capital federal há muita segurança.

Excluindo os bairros do sul, que são aqueles que estudo --Villa Riachuelo, Villa Charruó--, é uma cidade bastante segura para os parâmetros latino-americanos. Já a Grande Buenos Aires pode ser comparada às demais cidades latino-americanas.

Folha - Como a senhora vê Buenos Aires dentro de 30 anos?

Sarlo - Não posso dizer, porque não sei como vejo a Argentina dentro de 30 anos. Se me perguntassem isso com relação ao Brasil, creio que poderia responder de maneira mais fácil.

Folha - E como a senhora vê o Brasil dentro de 30 anos?

Sarlo - Vendo as coisas de fora, a ideia que se tem é a de que o país será uma potência, ao lado de Índia e China. Que catástrofe precisaria acontecer para que o Brasil não seja uma potência? Não vejo catástrofe nenhuma no horizonte brasileiro.

Com relação à Argentina, não sei se continuará a ser um país em decadência ou se conseguirá superá-la e encontrar uma certa estratégia de estabilidade como país pequeno, produzindo alguns bens importantes e dividindo a riqueza produzida.

Folha - O futuro de São Paulo estaria ligado, naturalmente, ao futuro do Brasil, certo?

Sarlo - Sim, do ponto de vista cultural, pois minha perspectiva em relação às cidades é cultural.

Vejo esse caráter pulsante próprio de São Paulo projetando-se no futuro.

Folha - Em seu livro, a senhora também cita as favelas, além das crianças e famílias que vivem nas ruas da cidade. Diz que essa realidade está ligada à pobreza urbana da América Latina, com a qual a capital argentina não se relacionava antes, pois nem a imaginação e nem o senso comum a concebiam como cidade americana. Como os argentinos encaram hoje essa nova realidade?

Sarlo - Primeiro, gostaria de explicar a frase que escrevi.

Digamos que, ao menos até os anos 1960, o emprego, a defesa dos direitos sociais dos trabalhadores e a educação básica eram três questões que a Argentina parecia ter solucionado --com exceção de alguns bolsões de miséria que existiam em algumas Províncias do norte. Isso não acontecia no resto da América Latina e diferenciava o país em relação ao continente.

Acredito que somente nos últimos 20 anos os argentinos começaram a se dar conta de que há pelo menos dois países mais importantes que o nosso no continente: o México e o Brasil.

Quando o ex-presidente José Sarney viajou para a Argentina, em 1985, e assinou os protocolos do Mercosul [Ata de Iguaçu] com o então presidente Raúl Alfonsín, os argentinos ainda pensavam que se estava firmando um pacto entre duas nações equivalentes.

Isso mudou, e mudou muito antes que o notássemos. Ou seja, as mudanças materiais aconteceram em uma temporalidade acelerada. Já a assimilação cultural, a assimilação dessas mudanças no imaginário, a conversão dessas mudanças no senso comum, aconteceram em uma temporalidade mais lenta.

A Argentina precisou passar por várias crises, e creio que na última, de 2001, realmente se deu conta de que não era o país próspero, ou relativamente próspero, que acreditava ser. Foi quando viu, literalmente, exércitos de centenas de pobres nas ruas recolhendo lixo.

Pessoalmente, quero que isso não seja esquecido, que o hábito e o dia a dia não nos apaguem essas centenas ou milhares de pobres que estão hoje nas ruas de Buenos Aires, de Rosario, de Mendoza ou de Córdoba, recolhendo lixo.

Por isso tenho um olhar talvez um pouco obsessivo sobre esses setores. Procuro ver quem está dormindo na rua, onde estão suas roupas, quem está alimentando o filho de um ano de uma moradora de rua, que possivelmente não recebeu nenhuma vacina e não tem assistência médica.

Porque podemos chegar a nos acostumar com isso, sem dúvida, sobretudo quando a classe média já percebeu que não irá cair de patamar.

Houve um momento, em 2001, em que alguns setores da classe média pensaram que iriam decair, e então enxergaram à sua volta, porque pensaram que seu futuro poderia estar na pobreza.

Mas, quando passaram a entender que não cairiam, o olhar se acostumou.

Por outro lado, seja acostumando ou não, essas pessoas estão aí. Esta é a nossa realidade, mesmo em países que podem ser grandes potências, como é o caso de México e Brasil.

Pode haver pobres nas ruas em outros lugares do mundo, mas crianças não --só na África, na América Latina e em algumas regiões da Ásia.

Folha - A frase "Buenos Aires, a Paris da América do Sul" é verdadeira ou foi um lema criado para conferir à cidade uma identidade?

Sarlo - Em princípio, Buenos Aires não se parece com Paris.

É uma mistura de cidades, teve muitos modelos, entre eles Paris, mas também Barcelona e Nova York.

Hoje é globalizada, pode estar olhando para qualquer cidade globalizada, para São Paulo ou para qualquer outra onde estejam sendo construídos os arranha-céus mais altos do mundo.

Buenos Aires sempre foi uma mescla; a avenida de Mayo, por exemplo, é marcada por uma presença arquitetônica eclética. Os portenhos são responsáveis por muitas coisas, mas creio que os latino-americanos também sejam responsáveis pelo lema de "Buenos Aires, a Paris da América do Sul".

É preciso se reportar aos poetas modernistas, a Ruben Darío, aos poetas que vinham da América Central e chegavam a Buenos Aires no final do século 19. Eram de cidades [e países] muito pequenos --Darío era nicaraguense, por exemplo.

Quando queriam fazer uma comparação, o faziam com um nome, não com uma cidade realmente existente --e diziam Paris. Mas não é uma comparação na qual o realmente existente deveria se parecer com o comparado. Simplesmente citavam o nome de uma cidade que, no final do século 19, era a metrópole.

Como se eu, digamos, olhasse para São Paulo e dissesse: isto é uma mescla de arranha-céus que me lembra Nova York, mas não é Nova York, não se parece com Nova York.

Ou seja, coloco um nome, e este nome, no caso de Paris, não o colocaram apenas os portenhos, mas foi algo também criado pelo turismo latino-americano.

No caso do Brasil, o turismo para Buenos Aires era de elite e assíduo. Não havia o turismo de massa de hoje. Então, foi o turismo que foi moldando essa imagem. E, naturalmente, quem conhece Paris, sabe que não se parece com a capital argentina.

Folha - O surgimento das favelas em Buenos Aires era previsível? Seu crescimento pode ser contido?

Sarlo - Assim como os bairros onde os pobres viviam em condições precárias, as favelas começaram a nascer na década de 1940, quando se produziram grandes migrações internas pela necessidade de mão de obra das indústrias que se concentravam nos arredores da cidade.

As favelas cresceram, mas na época eram mais parecidas com um bairro de trabalhadores.

Nos anos 1960, havia muitas favelas dentro e fora da cidade de Buenos Aires; a ditadura as arrancou do perímetro da cidade, mas hoje estão de volta.

Atualmente, há favelas imensas. Antes, as pessoas que viviam nas favelas tinham trabalho. Havia muitos operários da construção civil, imigrantes do Paraguai --em suma, pessoas que tinham um salário.

Podia haver, eventualmente, um ou outro desempregado, mas o problema do desemprego não existia ainda.

Hoje, vivem nas favelas basicamente os desempregados, famílias desestruturadas, com uma forte presença de criminalidade e drogas.

Nos anos 1960, os partidos políticos de esquerda e o peronismo tinham filiais dentro das favelas. Os moradores podiam pelo menos imaginar a ascensão social. Compravam um terreno mais distante na Grande Buenos Aires, sonhavam em construir uma casa por conta própria.

Com relação à contenção do crescimento, se trata de uma resposta política, que não sei responder. Nenhum partido político está tratando seriamente dessa questão, porque os pobres e os desempregados das favelas, pelo menos os que são cidadãos argentinos, são massa de manobra dos partidos políticos --fundamentalmente do Partido Justicialista [partido do atual governo argentino].

Ou seja, esse partido está entre uma ideologia histórica de tirar essas pessoas da favela e, por outro lado, o sentimento de que os favelados são como uma clientela de seus chefes políticos.

Por outro lado, o fenômeno tem crescido tanto que deveria ser considerado um problema nacional.

Se as favelas não forem consideradas um problema federal, não haverá solução. Mas isso tem de ser feito com a anuência das Províncias.

Folha - O governo do Estado do Rio de Janeiro irá construir muros em torno de 13 favelas. A justificativa é a de que irão proteger os habitantes e contribuir para que recebam os serviços públicos, como saneamento e educação, além de impedir o avanço das favelas para dentro da floresta. O que pensa a respeito?

Sarlo - Não posso emitir uma opinião, porque para opinar precisaria conhecer a fundo o que está acontecendo no Rio. Vou dar o exemplo do que houve aqui. Um prefeito de San Isidro, na Grande Buenos Aires, quis construir um muro, de aproximadamente dez quadras, para separar um bairro rico de um pobre, no limite entre San Isidro e San Fernando.

Para poder dar minha opinião sobre o que estava acontecendo, passei 24 horas no local, acompanhada de um fotógrafo de um jornal, para ver de perto e conversar com as pessoas.

Folha - Então gostaria de saber sua opinião sobre o que aconteceu aqui.

Sarlo - Para dizer de uma forma simples, aqui houve uma espécie de ataque de loucura de um prefeito, não pode ser explicado de outra maneira.

Ninguém concordava com esse muro, nem os ricos que estavam de um lado, nem os pobres que estavam de outro. Os ricos, porque esse muro colocava em evidência a discriminação da qual eles se viam beneficiados --e, todavia, vivemos em um país com certo imaginário democrático.

Principalmente quando alguém precisa sair de manhã e atravessar o portão do muro com o carro importado.

Conversei com os ricos, e eles me disseram que tinham o direito de erguer muros de seis metros de altura na própria casa --de fato, elas são cheias de muros e cercas eletrificadas. Mas essas mesmas pessoas também me disseram que isso não podia ser feito no espaço público.

Aí está o imaginário democrático que a Argentina tem. Até os muito ricos não querem ser perseguidos pela culpa, digamos, de que estão se beneficiando de uma espécie de discriminação bestial e patente.

Por outro lado, é lógico que os pobres se sentiam ofendidos, pois o muro nem sequer separava uma favela, mas um bairro pobre.

Um pouco mais adiante desse bairro há várias favelas, e se dizia que os delinquentes podiam vir de lá. Depois de passar muitas horas no local, encontrei apenas uma pessoa favorável à construção do muro.

Folha - Uma boa parte de seu livro é dedicada aos atuais imigrantes em Buenos Aires, aos latino-americanos e aos asiáticos. Qual seria a maior diferença entre as ondas imigratórias de hoje e as do passado?

Sarlo - Em comparação com os fluxos imigratórios do passado, os atuais são muito pequenos. Nas primeiras duas décadas do século 20, em Buenos Aires e em Rosario havia mais estrangeiros que nativos, e, naturalmente, um percentual muito mais elevado de filhos de estrangeiros do que de argentinos.

Eram ondas imigratórias realmente gigantescas, só comparáveis, em toda a América, às dos EUA. Eram gigantescas, porque a Argentina era um país muito despovoado, em que não houve escravidão, como no caso do Brasil. Ou seja, a mão de obra era escassa.

Havia agentes de imigração na Europa que mentiam para os imigrantes em potencial, dizendo-lhes que aqui receberiam terra e máquinas agrícolas, o que não era verdade.

Mas eram salários relativamente altos para a época, e a comida era muito barata. Portanto, não é possível comparar com o que acontece atualmente, embora haja uma corrente imigratória muito forte dos países limítrofes, especialmente da Bolívia e do Paraguai. Já houve também do Uruguai, mas não hoje.

De toda maneira, a marca dessa imigração pobre é forte, e agora se reforçou com a chegada dos peruanos.

Os chineses e coreanos são completamente diferentes, são comunidades muito pequenas --os coreanos não devem ser mais do que 13 mil-- que vêm com pequenos capitais.

Concentram-se em Buenos Aires, em bairros que, eu diria, quase têm o aspecto de gueto, que não se mesclam.

Os coreanos não se misturam mesmo; já os chineses estão mais mesclados e também vêm com pequenos capitais. Em geral seus filhos frequentam bons colégios, pois a educação é muito importante para eles.

Interessou-me muito percorrer o bairro coreano, escutar o idioma e tentar imaginar como deveria ter sido Buenos Aires quando nesta cidade se escutava russo, iídiche, italiano e várias outras línguas, na época em que chegaram meus avós, que eram da Espanha e da Itália.

Queria sentir como deve ter sido esta cidade tão poliglota entre o final do século 19 e o começo do 20.

O bairro coreano me pareceu ser o mais homogêneo do ponto de vista cultural e linguístico. As igrejas têm serviços em coreano, as placas do bairro são apenas neste idioma, os restaurantes só servem comida coreana.

Folha - A senhora conseguiu realmente sentir como era esta cidade poliglota?

Sarlo - A única coisa que eu acreditava que poderia se reproduzir era a sensação de um radical estrangeirismo linguístico. Isto é realmente muito interessante, porque nem sempre se tem essa sensação.

Quando uma pessoa viaja como turista a um país cuja língua desconhece, está na condição de turista, flutuando em um "nowhere".

Pode estar, por exemplo, na praça Vermelha de Moscou [na Rússia], e essa praça acaba sendo um não lugar --melhor dizendo, é como um cenário.

Mas, quando alguém está em sua própria cidade, sentir o estrangeirismo linguístico é muito forte. Por isso, parti de um texto de Roberto Arlt, que teve essa sensação no bairro do Once, habitado por muitos judeus em Buenos Aires.

Fui testar como essa sensação de estrangeirismo poderia se reconstruir --e que os coreanos também devem ter. E me deparei com algo que não sabia que ia encontrar: a separação absoluta entre o bairro coreano e o boliviano. Vivem tão próximos um do outro, mas completamente separados. São como dois países.

Folha - Como a classe média urbana reagiu à chegada desses novos imigrantes? Há discriminação?

Sarlo - Os paraguaios e os bolivianos são discriminados, são todos inseridos em um continente de discriminação latino-americana. São discriminados nas danceterias, ou, se a polícia está à procura de alguém, inicialmente vai atrás de uma pessoa com aspecto de imigrante latino-americano, que também pode ser um argentino do norte. Não é uma discriminação extremamente forte, porque Buenos Aires recebe imigrantes da América Latina e cidadãos do norte do país desde os anos 1940.

Ao mesmo tempo, observo no bairro Charrúa, onde moram os bolivianos e seus descendentes, que eles são uma comunidade fortemente integrada que goza do respeito das demais. É uma zona de cultura boliviana, onde estão presentes as famílias que trabalham juntas. Certamente, também há exploração e há crianças que trabalham desde cedo.

Folha - Por que muitas pessoas na Argentina afirmam que, durante a ditadura (1976-83), tinham menos medo do que hoje?

Sarlo - Porque a ordem do regime militar era a de um regime totalitário. Havia, sem dúvida, dois fatores que se diferenciavam da paisagem social de hoje.

Por um lado, não havia a penetração das drogas e de gangues juvenis drogadas; por outro, não se podia andar pelas ruas tranquilamente à meia-noite.

Naturalmente, os militantes políticos e seus familiares tinham medo, mas depois que os militares e o terrorismo de Estado se ocuparam dos guerrilheiros e de todos os que eram de esquerda, passaram a impor a disciplina para o resto da sociedade.

Não havia toque de recolher, mas não se andava pelas ruas com liberdade, corria-se o risco de ser parado, interrogado, molestado. Naquela época, a polícia tinha direito de pedir documento, hoje não.

A cidade estava sob um regime inicialmente implantado pelo terror e depois pela ordem totalitária.

Folha - A mídia está difundindo o medo da insegurança entre a população argentina?

Sarlo - Sim, a mídia está trabalhando muito mal e está criando ondas de psicose na população. Em princípio, o trabalho da imprensa argentina é ruim, porque não faz o exercício da comparação.

Esse tipo de exercício é feito quando se diz, por exemplo, que nas pesquisas sobre educação, a Finlândia está em primeiro lugar porque as crianças têm o melhor desempenho escolar, e a Argentina ocupa o 140º.

Mas isso não acontece com relação aos dados sobre a segurança, o que contribuiria para esclarecer o problema, inclusive para ter um diagnóstico mais claro.

Ocultar os dados comparativos ou se indignar quando o ministro do Interior Aníbal Fernández afirma que em Buenos Aires acontecem menos assassinatos por ano do que em quatro meses em Caracas [capital da Venezuela] me parece um erro. Fernández é ministro de um governo que absolutamente não tem apoio, mas tem razão.

A imprensa não transmite dados comparativos, principalmente a televisão, que é uma máquina irreflexiva.

E as pessoas não comparam suas experiências com as informações que recebem da imprensa --ou seja, vão passar as férias de verão tranquilas no Rio de Janeiro, apesar de ser uma cidade mais perigosa do que Buenos Aires.

Porque a imprensa tem esta máquina do medo, que tem um poder muito forte de convicção. O medo é uma das zonas obscuras do imaginário coletivo. A imprensa também não separa a ocorrência de delitos por zonas, ajudando as pessoas que vivem nas áreas realmente atingidas a tomarem conhecimento do que ocorre.

E também não compara a violência gerada pelo delito com aquela provocada pelas mortes nas estradas, cujo índice anual é quatro vezes maior.

Por que não se incorporam essas mortes?

Aí começa de novo a discriminação: é porque os moradores das favelas não circulam em carros que vão a 200 km por hora, ou fazem "rachas" em carros possantes. O delito é colocado na zona obscura da sociedade, na zona em que se pode atribuí-lo àquele que é discriminado.

A imprensa também precisaria dar atenção à violência nas estradas. Sem mencionar a doméstica; na Argentina morrem cerca de 200 mulheres por ano vítimas desse tipo de violência, além das que não sobrevivem aos abortos clandestinos.

Por outro lado, em Buenos Aires muitos delinquentes são mortos. Os policiais são assassinados, mas também morrem muitos delinquentes.

Isso também é um tipo de violência provocada por uma força policial que não está bem treinada para reprimir o delito e dar segurança com as garantias constitucionais.

Folha - Como se explica a grande comoção e a mobilização popular que aconteceram com a morte de Raúl Alfonsín [em março]?

Sarlo - Há uma explicação ligada à situação política da Argentina e outra que está relacionada com os passos que Alfonsín deu nos meses anteriores à sua morte.

Uma estratégia política de Alfonsín culminou, ou começou a dar resultado, no momento em que ele estava morrendo. Havia um documento importante que ele estava elaborando, muitas reuniões com políticos da oposição, mas sem fazer dessas reuniões a construção de uma oposição, porque ele estava se despedindo da vida, mas uma tentativa de se chegar a um diálogo político, para que, pela primeira vez em seis anos, houvesse esse diálogo político.

Porque na Argentina dos Kirchner [Néstor e sua mulher Cristina, que é a presidente do país], o governo e a oposição não se sentam para conversar.

É preciso dizer que Alfonsín sempre foi um político adepto do diálogo, inclusive seus grandes erros, como o pacto com [Carlos] Menen, têm a ver com esta vocação.

Creio que, embora as pessoas estejam meio distantes da política, mesmo assim escutaram o chamado de Alfonsín. Esta é a explicação de prazo mais curto.

A outra, mais ampla, é que ele morreu quando já há um cansaço, na classe média, do estilo autoritário dos Kirchner.

E elas [as pessoas] nos recordam que Alfonsín foi um político democrático. O nome dele é uma referência democrática [Alfonsín foi o primeiro presidente eleito após a ditadura vigente na Argentina de 1976 a 1983]. Havia muitos jovens de menos de 20 anos nas fileiras do funeral, eram pessoas que não conheceram sua Presidência [1983-89].

Eu estava lá e perguntei por que estavam ali. Eles respondiam: "Eu o conhecia de nome, me disseram em casa que era um político democrático".

Folha - Quais são as principais diferenças entre Néstor Kirchner e Raúl Alfonsín?

Sarlo - Aí é preciso pensar nas diferenças de estruturas políticas, não de pessoas.

Diria que Alfonsín tinha uma cultura política e um estilo que provinha do Partido Radical, um partido de tradição republicana, forjado na luta pela democratização do voto no início do século 20.

Tinha uma ideologia subjetivamente social-democrata, o que não quer dizer que tenha governado com ela. Alfonsín escalou todos os degraus da hierarquia de seu partido, fez uma carreira.

Nesse sentido, o Partido Radical é bastante fechado, não se pode entrar facilmente pelas bordas.

Kirchner, por outro lado, vem da Província de Santa Cruz [no sul do país], que é muito pequena e tem apenas 200 mil habitantes.

Essa era sua experiência política, foi governador de uma Província com uma renda elevada, em razão da exploração petrolífera. Essas Províncias são governadas com mão de ferro, e se diz que Kirchner nunca dialogou com ninguém em Santa Cruz.

E o partido dele, o Justicialista, é mais um movimento que tem um pouco de tudo, no qual a esquerda e a direita convivem e atravessam de calçada continuamente. Não é nem sequer uma cultura partidária, mas de um movimento. É completamente diferente.

Folha - No Brasil, considera-se o argentino mais politizado que o brasileiro. Apesar disso, as pesquisas apontam que há um desinteresse generalizado em relação às eleições legislativas que ocorrerão aqui no final de junho. Como a sra. explica isso?

Sarlo - O desinteresse pela política é uma marca das sociedades ocidentais hoje em dia.

As pessoas também se desinteressam pela política nos países europeus. Lembremos que quando Jacques Chirac venceu as eleições presidenciais [de 2002] na França, houve uma abstenção no primeiro turno que quase levou [Jean-Marie] Le Pen a ser eleito.

Esse é um problema do Ocidente: há um interesse pelo mais próximo, pelo mais cultural, e a política parece lenta, institucional.

Na Europa, menos de 30% dos eleitores aptos costumam votar nas eleições para o Parlamento europeu.

Portanto, essa não é uma peste só dos latino-americanos. Mas quando e onde não ocorre esse desinteresse? Quando há políticos que unam algo fortemente carismático com programas claros, não simplesmente com slogans.

Em minha opinião, esse foi o caso de Lula e Obama. Quando Obama começou a campanha presidencial, imaginei que queria ficar mais conhecido e se preparar para uma futura candidatura à Presidência.

Porém, efetivamente, ele uniu não apenas ideias --porque é preciso ter ideias--, mas também foi carismático. Sem o carisma não se quebra essa camada de gelo e o desinteresse pela política.

Folha - Para concluir, como pensa que o escritor Jorge Luis Borges reagiria se pudesse voltar a Buenos Aires hoje?

Sarlo - Borges morreu na Suíça [em 1986] e foi enterrado em Genebra por sua própria escolha. Em minha opinião, havia alguma coisa na Argentina da qual ele queria fugir, queria tirar seu corpo, sua morte, de uma espécie de Carnaval nacionalista, em que ele seria uma espécie de fetiche da literatura argentina --inclusive por parte de pessoas que não o leram.

Borges tinha uma percepção do mundo --pode-se dizer-- elitista, mas tinha algo que valorizo muito: era um espírito não nacionalista e liberal.

Escreveu um conto extraordinário, "O Simulacro" [em "O Fazedor", Cia. das Letras], que é imaginário, mas se baseia no que aconteceu no velório de Eva Perón [mulher do presidente argentino Juan Domingo Perón]. Foi um velório de Estado, como se fosse o de um rei, e o país inteiro parou durante 15, 20 dias.

Nesse conto, um homem anda pelas Províncias carregando uma caixa de sapatos com uma boneca loira dentro. Ele a abre nas cidadezinhas e finge uma espécie de velório de Evita, exibindo a boneca em cima de uma mesa.

Aqui Borges põe em evidência o lado sinistro do que acontece com a morte na Argentina, onde parece que vivemos discutindo o destino dos restos mortais de muitas pessoas que foram importantes na história do país.

Pense no que aconteceu com o corpo de Eva Perón [que morreu em 1952], que ficou em exibição na Confederação Geral do Trabalho (CGT) até 1955 e, depois, foi sequestrado e levado para a Europa pela revolução que derrubou Perón.

San Martín [1778-1850], o herói máximo da independência argentina, morreu em uma espécie de exílio na França, e passaram-se décadas até que seus restos mortais fossem trazidos para a Argentina.

Seu traslado foi uma grande operação patriótica.

(Fonte: Folha online, 07/06/2009)



domingo, 14 de junho de 2009

La toma


Link (torrent) para o filme The Take (2004), de Avi Lewis e Naomi Klein (a jornalista canadense, autora de No Logo e The Shock Doctrine) - documentário sobre trabalhadores argentinos que ocuparam fábricas desativadas e formaram cooperativas. (Ver trailer do filme.)

sábado, 13 de junho de 2009

Alexandra Kollontai


Textos de Alexandra Kollontai (em inglês), incluindo The Autobiography of a Sexually Emancipated Communist Woman (1926).

Alguns artigos: em francês e em português.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Eleanor Marx


Textos de Eleanor Marx (em inglês), incluindo o panfleto The Woman Question (1886).

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Flora Tristán


Textos de Flora Tristán (em espanhol), com link para Paseos en Londres (1840).

Flora Tristán - Peregrinaciones de una paria (1838).

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Para Pensar o Brasil - Darcy Ribeiro

Darcy Ribeiro (1922-1997)
O processo civilizatório: etapas da evolução sócio-cultural (1968)
O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil (1995)

Informações bio-bibliográficas sobre Darcy Ribeiro.

Fundação Darcy Ribeiro

Livros de Darcy Ribeiro:

Textos de Antonio Candido sobre Darcy (inclui o artigo "O mágico de Montes Claros", uma introdução a Maíra e o artigo "As três bandeiras") [em pdf, no 4shared]


Personalidade inquieta e ousada
Antonio Candido

Darcy Ribeiro foi sem dúvida um dos maiores intelectuais brasileiros deste século, com a particularidade de ter sido também um grande homem de ação.
Ele tinha uma personalidade inquieta e ousada, que o levou a se interessar por alguns dos setores mais importantes da cultura brasileira. Sem falar das obras de sua especialidade de antropólogo, lembro tudo o que fez no setor de educação, não apenas escrevendo, mas criando instituições do mais alto interesse. É preciso também fazer referência a sua vocação de escritor criativo, cujo principal produto foi o romance Mayra. E por último lembremos um dos aspectos mais fecundos de sua atividade, que foram as obras sobre a natureza da história e da sociedade brasileiras, como O Povo Brasileiro e O Processo Civilizatório. Mas eu não poderia esquecer de um aspecto muito importante do seu pensamento em relação ao Brasil: o otimismo. Darcy Ribeiro teve a capacidade de sintetizar, numa perspectiva quase eufórica, alguns aspectos que muitas vezes são considerados negativos, como a mestiçagem, a alegria dionisíaca, a mistura de culturas e outros, que ele sabia fundir numa visão construtiva e sem ufanismo.
(Folha, 19/06/2000)

segunda-feira, 8 de junho de 2009

O Discurso Filosófico da Modernidade


Livro de Jürgen Habermas - El discurso filosófico de la modernidad (em espanhol); também aqui [em pdf, no 4shared]

Apresenta um balanço do conceito de modernidade nos dois capítulos iniciais e discute pensadores como Nietzsche, Heidegger, Derrida, Bataille e Foucault.

*
Ensaio de Paulo e Otília Arantes - The Neo-Enlightenment Aesthetics of Jürgen Habermas [em pdf, no 4shared]. Corresponde a trechos do livro Um Ponto Cego no Projeto Moderno de Jürgen Habermas (1992).

domingo, 7 de junho de 2009

Marx, Dialética, Crítica


Textos sobre Marx, dialética e crítica da economia política:

Jorge Grespan - A dialética do avesso (Crítica Marxista, n 14, 2002)

Jorge Grespan - Marx, crítico da teoria clássica do valor (Crítica Marxista, n 12, 2001)

Jorge Grespan - A crise na crítica à economia política (Crítica Marxista, n 10, 2000)

Leda Maria Paulani - A atualidade da crítica da economia política (Crítica Marxista, n 10, 2000)

sábado, 6 de junho de 2009

O que vem por aí?

Abaixo, trechos de um artigo de Paulo Arantes, publicado em 2005:

[...] como registrou [o sociólogo alemão Alexander Schuller], “desde a queda do socialismo, é possível verificar um aumento empírico da crueldade; por toda parte impera uma maldade incompreensível”. Não se trata, portanto, de constatar trivialmente que a derrota do campo comunista empurrou o mundo ainda mais para a direita, mas de esfregar bem os olhos e admitir que a extirpação de um organismo gangrenado pode simplesmente inaugurar um novo ciclo degenerativo.
[...]
Como no resto do mundo depois da queda, juntos, os vencedores de sempre e os arrivistas da velha esquerda estão livres de novo para odiar, assim mesmo, intransitivamente, ainda que o alvo do paradoxal ressentimento dos dominadores seja a costumeira massa dos espoliados.
O sinal de alarme soou com o ato falho de um cacique da velha direita boçal, referindo-se à esquerda como uma “raça” da qual o país se veria enfim livre por uma geração. Um estudioso do passado tenebroso dos homens de mando neste país, o historiador Luiz Felipe de Alencastro, foi dos primeiros a antever a onda reacionária que esse desrecalque do preconceito de classe, temporariamente amortecido pela eleição de um ex-retirante e metalúrgico para a Presidência da República, prenuncia. Vem por aí uma explosão de raiva antipovo, raiva de pobre, raiva de negro, raiva de trabalhador. [Ver Entrevista de L.F. de Alencastro (Folha, 2005).]
[...]
[...] O referendo sobre o comércio de armas, por exemplo, [...] foi encorpando conforme se adensava no horizonte o novo clima punitivo. O que se viu foi a "população honesta" marchando em defesa da sociedade dos homens bons ou coisa pior, porém dividida quanto a saber se seria preferível se armar contra os pobres-bandidos ou desarmar os bandidos-pobres. Com receio do cidadão a seu lado, de cor escura e malvestido, o classe média, alvo do medo administrado, logo se juntará ao primeiro bando musculoso que passar ao ato.
[...] tal como em 1964, justamente os donos de sempre do poder estão novamente livres para odiar [...].
Paulo Arantes, “O que vem por aí?” (novembro de 2005)

Música no Cinema


Hanns Eisler & Theodor Adorno - Elements of Aesthetics (capítulo do livro Composing for the Films, 1947). [em pdf]

sexta-feira, 5 de junho de 2009

O Direito à Cidade

Ensaio de David Harvey - The Right to the City (New Left Review, 2008); também em pdf.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Planeta Favela

Mike Davis - Planet of Slums (New Left Review, 2004) [em pdf, no 4shared]
[Para baixar o arquivo, clicar no botão "Download Now", esperar que o link apareça e clicar no link.]

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Para Pensar o Brasil - Mário Pedrosa

Mário Pedrosa, Lélia Abramo e Sérgio Buarque

Mário Pedrosa (1901-1981)
Política das Artes. (Org. Otília Arantes. 1995).
Forma e Percepção Estética. (Org. Otília Arantes. 1997).
Acadêmicos e Modernos. (Org. Otília Arantes. 1997).
Modernidade Cá e Lá. (Org. Otília Arantes. 2000).

Sobre Mário Pedrosa:

Artigo de Otília Arantes - Atualidade de Mário Pedrosa (Folha, 2000). [em pdf, no 4shared]

Tese de Marcelo Mari - Estética e política em Mário Pedrosa (1930-1950) (USP, 2008).

terça-feira, 2 de junho de 2009

Cultura e Sociedade


Ensaio de Francis Mulhern sobre Cultura e Sociedade, de Raymond Williams - Culture and Society, Now and Then (New Left Review, 2009); também em pdf.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Artigos de Ismail Xavier


Artigos de Ismail Xavier [em pdf, no 4shared]:
  • Espelho do país Entrevista (Folha, 2007) - sobre o ressentimento de classe média no cinema brasileiro dos anos 1990.